sexta-feira, 9 de março de 2012

Plano de saúde não pode fixar limite de despesa hospitalar

22/02/2012 - 08h11

DECISÃO

É abusiva cláusula que limita despesa com internação hospitalar, segundo decisão da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Para os ministros, não pode haver limite monetário de cobertura para as despesas hospitalares, da mesma forma que não pode haver limite de tempo de internação.



A tese foi fixada no julgamento de recurso especial contra decisão da Justiça paulista, que considerou legal a cláusula limitativa de custos. Em primeiro e segundo graus, os magistrados entenderam que não havia abuso porque a cláusula estava apresentada com clareza e transparência, de forma que o contratante teve pleno conhecimento da limitação.



Contudo, a Quarta Turma entendeu que a cláusula era sim abusiva, principalmente por estabelecer montante muito reduzido, R$ 6.500, incompatível com o próprio objeto do contrato de plano de saúde, consideradas as normais expectativas de custo dos serviços médico-hospitalares. “Esse valor é sabidamente ínfimo quando se fala em internação em unidade de terapia intensiva (UTI), conforme ocorreu no caso em exame”, afirmou o relator, ministro Raul Araújo.



O ministro ressaltou que o bem segurado é a saúde humana, sendo inviável a fixação de um valor monetário determinado, como acontece com o seguro de bens materiais. “Não há como mensurar previamente o montante máximo a ser despendido com a recuperação da saúde de uma pessoa enferma, como se faz, por exemplo, facilmente até, com o conserto de um carro”, explicou Araújo.



O relator lembrou que a própria Lei 9.656/98, que estabelece as regras dos planos privados de assistência à saúde, vigente à época dos fatos, vedava a limitação de prazo, valor máximo e quantidade na cobertura de internações simples e em centro de terapia intensiva.



Por essas razões, e “em observância à função social dos contratos, à boa-fé objetiva e à proteção à dignidade humana”, a Turma reconheceu a nulidade da cláusula contratual.



Liminar



A ação inicial foi ajuizada pela família de uma mulher que faleceu em decorrência de câncer no útero. Ela ficou dois meses internada em UTI de hospital conveniado da Medic S/A Medicina Especializada à Indústria e ao Comércio. No 15º dia de internação, o plano recusou-se a custear o restante do tratamento, alegando que havia sido atingido o limite máximo de custeio, no valor de R$ 6.500.



Por força de decisão liminar, o plano de saúde pagou as despesas médicas até o falecimento da paciente. Na ação de nulidade de cláusula contratual cumulada com indenização por danos materiais e morais, a empresa apresentou reconvenção, pedindo ressarcimento das despesas pagas além do limite estabelecido no contrato, o que foi deferido pela Justiça paulista.



Dano moral



Ao analisar o pedido de indenização por danos morais e materiais, o ministro Raul Araújo ressaltou que ele se refere à recusa pela seguradora à cobertura do tratamento médico-hospitalar. Ele destacou que a morte da segurada não foi decorrente dessa recusa, pois o tratamento teve continuidade por força de decisão liminar. Assim, o processo não aponta que a família da segurada tenha efetuado gastos com o tratamento.



Quanto ao dano moral, o relator destacou que a jurisprudência do STJ considera que o mero inadimplemento contratual não gera danos morais, mas que ele dever ser reconhecido quanto houver injusta e abusiva recusa de cobertura pela operadora de saúde, extrapolando o mero aborrecimento. No caso analisado, os ministros entenderam que houve dano moral pela aflição causada à segurada.



Em decisão unânime, a Turma deu provimento ao recurso especial para julgar procedente a ação e improcedente a reconvenção. Foi decretada a nulidade da cláusula contratual limitativa, tida como abusiva. O plano de saúde foi condenado a indenizar os danos materiais decorrentes do tratamento da segurada, deduzidas as despesas já pagas pelo plano, que também deve pagar indenização por danos morais. O valor foi fixado em R$ 20 mil, com incidência de correção monetária a partir do julgamento no STJ e de juros moratórios de 1% ao mês, a partir da citação.

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CONHEÇAM O INTEIRO TEOR DA DECISÃO:

Superior Tribunal de Justiça
Revista Eletrônica de Jurisprudência

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RECURSO ESPECIAL Nº 735.750 - SP (2005⁄0047714-2)

RELATOR

:

MINISTRO RAUL ARAÚJO

RECORRENTE

:

ALICE DESIADA FERREIRA LOPES TRIPPICIO - ESPÓLIO

REPR. POR

:

AMÉRICO TRIPPICIO - INVENTARIANTE

ADVOGADO

:

FERNANDO QUARESMA DE AZEVEDO

RECORRIDO

:

MEDIC S⁄A MEDICINA ESPECIALIZADA A INDÚSTRIA E AO COMÉRCIO

ADVOGADO

:

FERNANDO CAMPOS SCAFF E OUTRO(S)

EMENTA

CIVIL. CONSUMIDOR. SEGURO. APÓLICE DE PLANO DE SAÚDE. CLÁUSULA ABUSIVA. LIMITAÇÃO DO VALOR DE COBERTURA DO TRATAMENTO. NULIDADE DECRETADA. DANOS MATERIAL E MORAL CONFIGURADOS. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

1. É abusiva a cláusula contratual de seguro de saúde que estabelece limitação de valor para o custeio de despesas com tratamento clínico, cirúrgico e de internação hospitalar.

2. O sistema normativo vigente permite às seguradoras fazer constar da apólice de plano de saúde privado cláusulas limitativas de riscos adicionais relacionados com o objeto da contratação, de modo a responder pelos riscos somente na extensão contratada. Essas cláusulas meramente limitativas de riscos extensivos ou adicionais relacionados com o objeto do contrato não se confundem, porém, com cláusulas que visam afastar a responsabilidade da seguradora pelo próprio objeto nuclear da contratação, as quais são abusivas.

3. Na espécie, a seguradora assumiu o risco de cobrir o tratamento da moléstia que acometeu a segurada. Todavia, por meio de cláusula limitativa e abusiva, reduziu os efeitos jurídicos dessa cobertura, ao estabelecer um valor máximo para as despesas hospitalares, tornando, assim, inócuo o próprio objeto do contrato.

4. A cláusula em discussão não é meramente limitativa de extensão de risco, mas abusiva, porque excludente da própria essência do risco assumido, devendo ser decretada sua nulidade.

5. É de rigor o provimento do recurso especial, com a procedência da ação e a improcedência da reconvenção, o que implica a condenação da seguradora ao pagamento das mencionadas despesas médico-hospitalares, a título de danos materiais, e dos danos morais decorrentes da injusta e abusiva recusa de cobertura securitária, que causa aflição ao segurado.

6. Recurso especial provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Quarta Turma, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Marco Buzzi e Luis Felipe Salomão votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 14 de fevereiro de 2012(Data do Julgamento)

MINISTRO RAUL ARAÚJO

Relator

RECURSO ESPECIAL Nº 735.750 - SP (2005⁄0047714-2)

RELATOR

:

MINISTRO RAUL ARAÚJO

RECORRENTE

:

ALICE DESIADA FERREIRA LOPES TRIPPICIO - ESPÓLIO

REPR. POR

:

AMÉRICO TRIPPICIO - INVENTARIANTE

ADVOGADO

:

FERNANDO QUARESMA DE AZEVEDO

RECORRIDO

:

MEDIC S⁄A MEDICINA ESPECIALIZADA A INDÚSTRIA E AO COMÉRCIO

ADVOGADO

:

FERNANDO CAMPOS SCAFF E OUTRO(S)

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO RAUL ARAÚJO:

Trata-se de recurso especial interposto pelo ESPÓLIO DE ALICE DESIADA FERREIRA LOPES TRIPPICIO contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, assim ementado:

"Plano modular de assistência médica com cláusula limitativa de custos. Admissibilidade, pois se apresenta transparente, sem subterfúgios gramaticais, portanto, com validade e eficácia, ante a inequívoca ciência do segurado. Custos hospitalares acima do valor contratado deverão ser suportados pelo segurado. Apelo improvido." (fl. 279, e-STJ)

Em suas razões recursais, o ora recorrente aponta, além de divergência jurisprudencial, violação aos arts. 4º, I e III, 6º, IV e VIII, 46, 47, 51, § 1º, I, II e III, do Código de Defesa do Consumidor, ao art. 1º da Lei 6.839⁄80, e ao art. 159 do Código Civil de 1916.

Narra, nesse contexto, que a contratante, acometida de câncer no útero, ficou internada em UTI de Hospital conveniado. Contudo, no décimo quinto dia (15º) de internação, a mantenedora do plano de saúde recusou-se a custear o restante do tratamento, alegando que havia sido atingido o limite máximo de custeio (R$ 6.500,00), conforme cláusula VI, § 2º, do contrato celebrado entre as partes. Sustenta, nesse contexto, o caráter abusivo da referida cláusula, ao limitar o valor de cobertura para tratamento médico-hospitalar. Requer, ao final, seja dado provimento ao recurso especial, julgando procedentes os pedidos formulados na ação ordinária de nulidade de cláusula contratual cumulada com indenização, condenando, por conseguinte, a recorrida "ao pagamento das despesas médico-hospitalares e a indenizar o recorrente pelos danos morais e patrimoniais sofridos" (fl. 142).

Não tendo sido admitido o recurso na origem, subiram os autos por força do provimento de agravo de instrumento pelo eminente Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA (fl. 306, e-STJ).

Instado a se manifestar, o d. órgão do Ministério Público Federal, no parecer de fls. 365⁄367, opinou pelo não conhecimento do recurso especial, por incidência dos enunciados 5 e 7 do Superior Tribunal de Justiça, ou por seu desprovimento, salientando que, embora restritiva a cláusula do plano de saúde questionada - a qual prevê limite de valor para a cobertura de internação médico-hospitalar -, essa se encontra redigida de forma clara, "não possibilitando equívoco ou incompreensão" por parte do consumidor.

É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 735.750 - SP (2005⁄0047714-2)

RELATOR

:

MINISTRO RAUL ARAÚJO

RECORRENTE

:

ALICE DESIADA FERREIRA LOPES TRIPPICIO - ESPÓLIO

REPR. POR

:

AMÉRICO TRIPPICIO - INVENTARIANTE

ADVOGADO

:

FERNANDO QUARESMA DE AZEVEDO

RECORRIDO

:

MEDIC S⁄A MEDICINA ESPECIALIZADA A INDÚSTRIA E AO COMÉRCIO

ADVOGADO

:

FERNANDO CAMPOS SCAFF E OUTRO(S)

VOTO

O SENHOR MINISTRO RAUL ARAÚJO (Relator):

I - De início, deve ser afastada a preliminar de não conhecimento trazida pelo d. órgão do Ministério Público Federal, relativamente à incidência dos enunciados 5 e 7 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça. Com efeito, o exame do presente recurso especial não depende da interpretação de cláusula contratual, tampouco do acervo fático-probatório dos autos, mas somente da realização de nova valoração dos critérios jurídicos de formação da convicção do julgador, medida que não encontra óbice nos referidos enunciados sumulares. A revisão da qualificação jurídica da manifestação volitiva, inserta em contrato, por se tratar de questão de direito, pode ser objeto de recurso especial.

II - Atendidos, assim, os requisitos de admissibilidade recursal, passa-se ao exame do mérito.

Cinge-se a controvérsia à análise da existência de abuso na cláusula constante do contrato de plano de saúde que prevê limite de valor para cobertura de tratamento médico-hospitalar.

Na hipótese em exame, a beneficiária de plano de saúde foi internada em hospital conveniado, em razão de moléstia grave - câncer no útero -, e permaneceu em unidade de terapia intensiva (UTI). Porém, quando atingido o limite financeiro (R$ 6.500,00) de custo de tratamento previsto no contrato celebrado entre as partes, a ora recorrida negou-se a cobrir as despesas médico-hospitalares excedentes.

A beneficiária, representada por seu esposo, ajuizou ação cautelar, cujo pedido liminar foi deferido pelo d. Juízo a quo, com determinação de que a mantenedora do plano de saúde arcasse com todas as despesas de internação da enferma (e-STJ, fl. 42, apenso 2, e fls. 81⁄82, apenso 1). Nesse ínterim, a beneficiária faleceu.

A seguir, seu espólio ingressou com ação ordinária de nulidade de cláusula contratual cumulada com indenização, alegando, na exordial, que: "1- ... a 'de cujus' conveniou-se a um plano de saúde da Requerida desde 30⁄04⁄97, denominado Plano Plus 1 2 3, conforme cópia do contrato (doc. 01), da carteira de associada em anexo (doc. 03), estando em dia com o pagamento de tal plano conforme xerox autenticada dos três últimos boletos de pagamento em anexo (docs. 04⁄06); 2- A 'de cujus' teve problemas de câncer no útero que desencadeou o câncer por todo o organismo, estando em coma quando da internação junto ao Hospital conveniado pela Requerida; 3- Tal plano cobre internação em quarto particular e em UTI; 4- Ocorre que após determinado período a Requerente comunicou ao ora representante legal do Espólio Requerente que não cobriria mais a internação da Requerente na UTI do Hospital e todo o tratamento necessário, causando um sério transtorno ao mesmo. 5- Ante o quadro médico da 'de cujus' a Requerida não deveria negar cobrir o pagamento do tratamento da mesma, pois encontrava-se em coma e impossibilitada de ter alta ou ser transferida e a família impossibilitada de arcar com o pagamento das despesas médico-hospitalares; 6- Os familiares da Requerente não tendo condições de arcar com tais despesas recorreram a todos os meios para solucionar o problema, mas não conseguiram, qualquer forma de solucioná-lo; 7- Ante a recusa da Requerida na cobertura do tratamento e a alta da 'de cujus', o esposo da Requerente 'de cujus' tiveram de recorrer ao Judiciário" (fls. 7⁄11).

Com base nessas circunstâncias fáticas, a ora recorrente, por seu espólio, requereu, além de indenização por danos materiais e morais, a nulidade da cláusula contratual que excluiu a cobertura das cirurgias, tratamento e internação (cláusula VI, parágrafo segundo, assim redigida: "Para a assistência clínica ou cirúrgica dos serviços constantes nesta Cláusula, será observado o limite de R$ 6.500,00 (seis mil e quinhentos reais), por beneficiário inscrito por período de 365 dias, limite este que tem como base a data de 1º de agosto de 1996, sendo que a correção deste valor observará os mesmos critérios estabelecidos na Cláusula XIV - Reajuste").

Houve contestação e reconvenção pela ora recorrida.

O d. Juízo sentenciante, ao concluir não haver nenhum abuso na cláusula contratual limitativa, redigida com clareza e transparência, julgou improcedentes os pedidos formulados na inicial e considerou procedente a reconvenção, determinando que o autor pagasse à reconvinte o valor despendido com o tratamento da enferma, na parte que ultrapassou o limite financeiro contratualmente previsto (fls. 239⁄244, e-STJ).

O colendo Tribunal de Justiça estadual confirmou a r. sentença (fls. 277⁄285, e-STJ), sob o fundamento de que "a cláusula limitativa apresenta-se transparente", devendo prevalecer o princípio pacta sunt servanda.

Contudo, entende-se configurado o caráter abusivo da referida cláusula contratual por estabelecer limitação de valor para o custeio de tratamento clínico, cirúrgico e de internação hospitalar de segurado e beneficiários, em montante por demais reduzido, incompatível com o próprio objeto do contrato de plano de saúde, consideradas as normais expectativas de custo dos serviços médico-hospitalares supostamente cobertos pela apólice. Então, a pessoa é levada a pensar que está segurada, que tem um plano de saúde para proteção da família, mas, na realidade, não está, pois o valor limite da apólice nem se aproxima dos custos normais médios de uma internação em hospital.

É certo que o sistema normativo vigente permite que as seguradoras, as empresas de medicina de grupo e as cooperativas médicas façam constar da apólice de plano de saúde privado cláusulas limitativas de riscos adicionais relacionados com o objeto da contratação, de modo que somente responderão pelos riscos na extensão prevista no contrato. A operadora do plano de saúde pode entender que determinados riscos, por sua extensão (p. ex.: transporte aéreo em UTI; internação em apartamento individual no hospital; livre escolha de hospital e outros), são capazes de comprometer o equilíbrio da mutualidade, excluindo-os, portanto, da cobertura securitária. Essa autorização à inclusão de cláusulas limitativas encontra respaldo na própria autonomia contratual e nos arts. 757 e 760 do Código Civil de 2002 - art. 1.434 do Código Civil de 1916 - e no art. 54, § 4º, do Código de Defesa do Consumidor, que apenas faz exigência de que sejam redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão pelo consumidor.

Essas cláusulas meramente limitativas de riscos extensivos ou adicionais relacionados com o objeto do contrato não se confundem com cláusulas tidas por abusivas, as quais visam afastar a responsabilidade da seguradora pelo próprio objeto nuclear da contratação. Enquanto as primeiras, admitidas por lei, dizem respeito à possibilidade de a operadora de plano de saúde excluir de sua cobertura determinados riscos relacionados ao objeto contratado na sua extensão, as segundas representam a exclusão ou restrição criada pela operadora para esquivar-se do cumprimento da obrigação em si regularmente assumida. Nesta hipótese, a seguradora, a despeito de, por exemplo, cobrir determinado tratamento (obrigação assumida), cria limitações outras que reduzem os efeitos práticos daquela cobertura. É o que ocorre na criação de restrição de tempo para internação e de limite de valor de custos hospitalares para cobertura, máxime quando o valor-limite é irrisório, como acontece na hipótese.

Acerca da temática, o Superior Tribunal de Justiça vem reconhecendo o caráter abusivo desse tipo de cláusula:

Súmula 302⁄STJ: "É abusiva a cláusula contratual de plano de saúde que limita no tempo a internação hospitalar do segurado."

"CIVIL E PROCESSUAL. ACÓRDÃO ESTADUAL. OMISSÕES NÃO CONFIGURADAS. SEGURO-SAÚDE. CLÁUSULA LIMITATIVA DE VALOR DE DESPESAS ANUAIS. ABUSIVIDADE. ESVAZIAMENTO DA FINALIDADE DO CONTRATO. NULIDADE.

I. Não padece do vício da omissão o acórdão estadual que enfrenta suficientemente as questões relevantes suscitadas, apenas que trazendo conclusões adversas à parte irresignada.

II. A finalidade essencial do seguro-saúde reside em proporcionar adequados meios de recuperação ao segurado, sob pena de esvaziamento da sua própria ratio, o que não se coaduna com a presença de cláusula limitativa do valor indenizatório de tratamento que as instâncias ordinárias consideraram coberto pelo contrato.

III. Recurso especial conhecido e provido."

(REsp 326.147⁄SP, Quarta Turma, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO JUNIOR, DJe de 8⁄6⁄2009)

"CONTRATO DE SEGURO. FORO DE ELEIÇÃO. É INEFICAZ A CLÁUSULA ESTIPULADORA DO FORO DE ELEIÇÃO EM CONTRATO DE ADESÃO, A BENEFÍCIO DA SEGURADORA. O SEGURADO PODE VALER-SE DAS REGRAS GERAIS DE COMPETÊNCIA. CONFLITO CONHECIDO E DECLARADO COMPETENTE O JUÍZO DE DIREITO DA 5A. VARA CÍVEL DE CAXIAS DO SUL, PARA PROCESSAR E JULGAR AMBAS AS AÇÕES."

(CC 1.339⁄RS, Segunda Seção, Rel. Min. NILSON NAVES, DJ de 17⁄12⁄1990)

Nesse contexto, a cláusula limitativa torna-se abusiva quando "as consequências normais de uma obrigação regularmente assumida, acaba por tornar inócua a sua própria essência, desnaturando o contrato (...). Deveras, se numa cláusula contratual o segurador assume um risco (uma obrigação) e noutra exclui ou reduz os efeitos jurídicos, na realidade não se obrigou; a cláusula é abusiva porque torna inócua a essência do contrato" (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil, 9ª ed., rev. e amp., Atlas: São Paulo, 2010, p. 455).

Ao analisar a limitação do tempo de internação, acrescenta SÉRGIO CAVALIERI FILHO que, "se a doença tem cobertura contratual outra cláusula não pode limitar os dias de internação; isto não importa mera limitação do risco, vale dizer, limitação da obrigação, mas limitação da própria responsabilidade do segurador, e, por via de consequência, restrição da obrigação fundamental inerente ao contrato. Uma coisa é a doença não ter cobertura, caso em que o segurador não assumiu nenhuma obrigação a seu respeito (não assumiu seu risco), e outra coisa, bem diferente, é a doença ter cobertura e, a partir de um determinado momento, deixa de tê-la. Na realidade, afigura-se abusivo impor tempo de cura para uma doença coberta pelo seguro. Complicações de todos os tipos podem surgir, pré e pós-operatórias, inclusive infecção hospitalar, ampliando compulsoriamente o tempo de internação. Pretender livrar-se o segurador dessas consequências não é limitar o seu risco, porque o risco foi assumido quando se deu cobertura para a doença, e o sinistro até já ocorreu. O que se pretende, na realidade, com essa cláusula, é limitar a responsabilidade do segurador decorrente de uma obrigação regularmente assumida, e isso a torna inválida" (ob. cit., p. 455).

Na hipótese em exame, segundo consta dos autos, a seguradora assumiu o risco de cobrir o tratamento da moléstia que acometeu a segurada. Todavia, por meio de cláusula limitativa e abusiva, reduziu os efeitos jurídicos dessa cobertura, ao estabelecer o valor máximo para assunção do risco, tornando, assim, inócua a obrigação contratada.

Há, por conseguinte, incompatibilidade entre o objeto do contrato de seguro-saúde e a limitação do valor do tratamento, mormente, na hipótese, em que essa limitação deu-se no montante de apenas R$ 6.500,00. Esse valor é, sabidamente, ínfimo, quando se fala em internação em unidade de terapia intensiva - UTI -, conforme ocorreu no caso em exame, em que a paciente segurada, acometida de moléstia grave, ficou submetida a esse tipo de internação por quase dois meses (de 16 de junho a 3 de agosto de 1999 - quando faleceu).

Infere-se, pois, que a cláusula em discussão não é meramente limitativa de extensão de risco, mas abusiva, porque excludente da própria essência do risco assumido, devendo ser decretada sua nulidade.

Outrossim, cumpre destacar que o bem aqui segurado é a saúde humana, o que se mostra incompatível com a fixação de um valor monetário determinado, como acontece com o seguro de automóveis e outros bens materiais. Não há como mensurar previamente o montante máximo a ser despendido com a recuperação da saúde de uma pessoa enferma, como se faz, por exemplo, facilmente até, com o conserto de um carro. Não há como se estabelecer uma regra, um valor padrão, para tratamento do indivíduo enfermo, sobretudo porque existem vários fatores exógenos e endógenos que podem influenciar no tempo de internação, na necessidade de encaminhamento à unidade de terapia intensiva - UTI -, no tipo de procedimento adotado, na cirurgia escolhida, e, inevitavelmente, no valor de custeio do tratamento.

Caso se considerasse não abusiva a referida cláusula, ter-se-ia a seguinte situação: um paciente segurado teria seu tratamento interrompido antes de alcançar a cura da enfermidade, tão logo atingido o tal limite máximo de valor autorizado no contrato de seguro-saúde, o qual, evidentemente, se tornaria de todo inútil.

Com efeito, não se pode equiparar o seguro-saúde a um seguro patrimonial, no qual é possível e fácil aferir o valor do bem segurado, criando limites de reembolso⁄indenização. Afinal, quem segura a saúde de outrem está garantindo o custeio de tratamento de doenças que, por sua própria natureza, são imprevisíveis, inclusive quanto aos gastos a serem despendidos com os custos hospitalares.

Tem-se, assim, que não pode haver limite monetário de cobertura para as despesas hospitalares, sob pena de se esvaziar o direito do segurado e o próprio objeto da contratação, que é, por natureza, de custos imprevisíveis, sendo essa, inclusive, uma das razões que leva a pessoa a contratar seguro de saúde.

É certamente por isso que a Lei 9.656⁄98 - que estabelece as regras dos planos privados de assistência à saúde -, vigente à época dos fatos, prevê, em seu art. 12, II, a e b, que, na cobertura de internações hospitalares simples e em centro de terapia intensiva, ou similar, fica "vedada a limitação de prazo, valor máximo e quantidade" (grifo nosso). Também o Decreto-Lei 73⁄66 - que regula o Sistema Nacional de Seguros Privados -, em seu art. 13, dispõe que "as apólices não poderão conter cláusula que permita rescisão unilateral dos contratos de seguro ou por qualquer modo subtraia sua eficácia e validade além das situações previstas em Lei" (grifo nosso).

Portanto, seja por violação às normas do Código de Defesa do Consumidor (arts. 4º, 6º, 51) ou ao disposto na Lei 9.656⁄98 e no Decreto-Lei 73⁄66, deve ser considerada abusiva a cláusula do contrato de seguro-saúde que crie limitação de valor para o custeio de tratamento de saúde ou de internação hospitalar de segurado ou beneficiário.

Desse modo, em observância à função social dos contratos, à boa-fé objetiva e à proteção à dignidade humana, deve ser reconhecida a nulidade de cláusula contratual como a ora discutida, nos termos em que pleiteado pelo ora recorrente.

III - Ultrapassado esse tópico, deve-se analisar a configuração dos alegados danos materiais e morais.

Apenas a título de esclarecimento, a causa de pedir do dano material, assim como do dano moral, está relacionada à recusa pela seguradora da cobertura do tratamento médico-hospitalar da segurada, sendo certo que, conforme os delineamentos dados pelas instâncias ordinárias, sua morte não decorreu dessa recusa - pois, por liminar, fora dada continuidade à internação e ao tratamento -, mas em virtude da própria evolução da doença.

Relativamente aos danos materiais, saliente-se que consta dos autos que, com o deferimento de liminar, em sede de ação cautelar, o d. Juízo a quo determinou que a operadora do plano de saúde desse continuidade à cobertura do tratamento da segurada (e-STJ, fl. 42, apenso 2). A ora recorrida, pelo que se dessume dos autos, procedeu ao cumprimento dessa decisão liminar, até que sobreveio a morte da segurada, o que ocorreu antes mesmo do julgamento do mérito da ação ordinária de nulidade de cláusula contratual cumulada com indenização (e-STJ, fl. 42, apenso 2, e fls. 81⁄82, apenso 1). Portanto, ao que parece, não houve interrupção da internação ou do tratamento da paciente, tampouco custeio deste por parte da família da segurada. Tanto que, na r. sentença, o d. Juízo julgou procedente a reconvenção apresentada pela seguradora, condenando o reconvindo, ora recorrente, ao pagamento dos gastos que aquela havia despendido com o tratamento da segurada, na parte que excedeu ao limite de valor de cobertura estabelecido no contrato, com a devida incidência de correção monetária, desde o desembolso, e de juros, desde a intimação da reconvenção (fls. 239⁄244, e-STJ).

Além disso, não há elemento algum nos autos do qual se possa depreender que o ora recorrente despendeu gastos com o tratamento, logo em seguida à recusa de cobertura havida pela operadora do plano de saúde.

Daí o provimento deste recurso, com a procedência da presente ação, no ponto, implicar apenas a condenação da recorrida ao pagamento das mencionadas despesas médico-hospitalares, ao que tudo indica já suportadas pela operadora do plano de saúde quando do cumprimento da liminar concedida na ação cautelar, e a improcedência da reconvenção.

No tocante aos danos morais, convém ressaltar que, a despeito de prevalecer o entendimento nesta Corte de Justiça no sentido de que o mero inadimplemento contratual não gera danos morais, deve ser reconhecido o direito a esse ressarcimento quando houver injusta e abusiva recusa de cobertura securitária pela operadora de plano de saúde, extrapolando o mero aborrecimento.

A propósito:

"CIVIL. RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. NEGATIVA INJUSTA DE COBERTURA SECURITÁRIA MÉDICA. CABIMENTO.

1. Afigura-se a ocorrência de dano moral na hipótese de a parte, já internada e prestes a ser operada - naturalmente abalada pela notícia de que estava acometida de câncer -, ser surpreendida pela notícia de que a prótese a ser utilizada na cirurgia não seria custeada pelo plano de saúde no qual depositava confiança há quase 20 anos, sendo obrigada a emitir cheque desprovido de fundos para garantir a realização da intervenção médica. A toda a carga emocional que antecede uma operação somou-se a angústia decorrente não apenas da incerteza quanto à própria realização da cirurgia mas também acerca dos seus desdobramentos, em especial a alta hospitalar, sua recuperação e a continuidade do tratamento, tudo em virtude de uma negativa de cobertura que, ao final, se demonstrou injustificada, ilegal e abusiva.

2. Conquanto geralmente nos contratos o mero inadimplemento não seja causa para ocorrência de danos morais, a jurisprudência do STJ vem reconhecendo o direito ao ressarcimento dos danos morais advindos da injusta recusa de cobertura securitária médica, na medida em que a conduta agrava a situação de aflição psicológica e de angústia no espírito do segurado, o qual, ao pedir a autorização da seguradora, já se encontra em condição de dor, de abalo psicológico e com a saúde debilitada.

3. Recurso especial provido." (REsp 1.190.880⁄RS, Terceira Turma, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, DJe de 20⁄6⁄2011)

"CIVIL E PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE. COBERTURA. NEGATIVA. PROCEDIMENTO DE URGÊNCIA. DANO MORAL. CABIMENTO. RECURSO PROVIDO.

I. A recusa da cobertura de procedimento médico-cirúrgico por parte de prestadora de plano de saúde enseja dano moral quando aquela se mostra ilegítima e abusiva, e do fato resulta abalo que extrapola o plano do mero dissabor.

II. Caso em que a situação do autor era grave e o risco de sequelas evidente, ante a amputação, por necrose, já ocorrida em outro membro, que necessitava urgente de tratamento preventivo para restabelecer a adequada circulação.

II. Recuso especial conhecido e provido." (REsp 1.167.525⁄RS, Quarta Turma, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO JUNIOR, DJe de 28⁄3⁄2011)

"RECURSO ESPECIAL - PLANO DE SAÚDE - NEGATIVA DE COBERTURA - DEFEITO DO PRODUTO - LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM - UNIMED DA FEDERAÇÃO ORIGINALMENTE CONTRATADA PELO SEGURADO - RECURSO PROVIDO.

1. As Operadoras de Planos de Assistência à Saúde ofereceram um Plano Privado de Assistência à Saúde (produto), que será prestado por profissionais ou serviços de saúde, integrantes ou não de rede credenciada, contratada ou referenciada, visando a assistência médica, hospitalar e odontológica (prestação de serviço).

2. A não autorização para a realização do exame laboratorial caracteriza o fato do produto, pois, além do vício (não autorização para a realização do exame laboratorial), nos termos do entendimento uníssono desta Corte, o comportamento abusivo por parte da operadora de Plano de Saúde, extrapolando o simples descumprimento de cláusula contratual ou a esfera do mero aborrecimento, é ensejador do dano moral.

3. Defeituoso o Plano Privado de Assistência à Saúde (produto), a responsabilidade-legitimidade é da Operadora de Planos de Assistência à Saúde com quem o Segurado o adquiriu (artigo 12 do CDC).

4. Recurso especial provido." (REsp 1.140.107⁄PR, Terceira Turma, Rel. Min. MASSAMI UYEDA, DJe de 4⁄4⁄2011)

"AGRAVO REGIMENTAL. PLANO DE SAÚDE. PROCEDIMENTO CIRÚRGICO. RECUSA DA COBERTURA. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. CABIMENTO.

I - Em determinadas situações, a recusa à cobertura médica pode ensejar reparação a título de dano moral, por revelar comportamento abusivo por parte da operadora do plano de saúde que extrapola o simples descumprimento de cláusula contratual ou a esfera do mero aborrecimento, agravando a situação de aflição psicológica e de angústia no espírito do segurado, já combalido pela própria doença.

Precedentes.

II - Em casos que tais, o comportamento abusivo por parte da operadora do plano de saúde se caracteriza pela injusta recusa, não sendo determinante se esta ocorreu antes ou depois da realização da cirurgia, embora tal fato possa ser considerado na análise das circunstâncias objetivas e subjetivas que determinam a fixação do quantum reparatório.

III - Agravo Regimental improvido." (AgRg no Ag 884.832⁄RJ, Terceira Turma, Rel. Min. SIDNEI BENETI, DJe de 9⁄11⁄2010)

No caso em exame, conforme longamente explicitado, houve dano moral decorrente da cláusula considerada abusiva e da recusa da cobertura securitária pela operadora do plano de saúde, no momento em que a segurada, acometida de doença grave, que a levaria a estado terminal, necessitava dar prosseguimento a sua internação em UTI e ao tratamento médico-hospitalar adequado. Entende-se, pois, configurado o dano moral, pela aflição causada à enferma.

Diante do exposto, dá-se provimento ao recurso especial, para, julgando procedente a ação e improcedente a reconvenção:

(I) decretar a nulidade da cláusula contratual limitativa e abusiva (parágrafo segundo da cláusula VI do contrato); e

(II) condenar a recorrida:

a) a indenizar os danos materiais, decorrentes do tratamento médico-hospitalar que a segurada necessitou, deduzidas as despesas já suportadas pela recorrida quando do cumprimento da liminar;

b) ao ressarcimento dos danos morais, no montante de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), com a devida incidência de correção monetária, a partir desta data, e de juros moratórios de 0,5% ao mês até a entrada em vigor do Código Civil de 2002 e de 1% ao mês a partir de então, computados desde a citação; e

c) aos ônus sucumbenciais, com honorários advocatícios de 10% sobre o valor da condenação, devidamente corrigido.

É como voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

QUARTA TURMA

Número Registro: 2005⁄0047714-2


PROCESSO ELETRÔNICO

REsp 735.750 ⁄ SP

Números Origem: 1863214 200300841126 9330599

PAUTA: 14⁄02⁄2012

JULGADO: 14⁄02⁄2012

Relator

Exmo. Sr. Ministro RAUL ARAÚJO

Presidente da Sessão

Exmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO

Subprocurador-Geral da República

Exmo. Sr. Dr. HUGO GUEIROS BERNARDES FILHO

Secretária

Bela. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI

AUTUAÇÃO

RECORRENTE

:

ALICE DESIADA FERREIRA LOPES TRIPPICIO - ESPÓLIO

REPR. POR

:

AMÉRICO TRIPPICIO - INVENTARIANTE

ADVOGADO

:

FERNANDO QUARESMA DE AZEVEDO

RECORRIDO

:

MEDIC S⁄A MEDICINA ESPECIALIZADA A INDÚSTRIA E AO COMÉRCIO

ADVOGADO

:

FERNANDO CAMPOS SCAFF E OUTRO(S)

ASSUNTO: DIREITO DO CONSUMIDOR - Contratos de Consumo - Planos de Saúde

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Marco Buzzi e Luis Felipe Salomão votaram com o Sr. Ministro Relator.

Documento: 1121459

Inteiro Teor do Acórdão

- DJe: 16/02/2012

Link para consultar esta decisão na fonte:

https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1121459&sReg=200500477142&sData=20120216&formato=HTML