O livro 'Uma breve história da química: da alquimia às ciências moleculares modernas' oferece uma aventura histórica ao descrever o passado e apontar para o futuro do campo. Ângelo Cunha Pinto assina resenha sobre a obra na CH de maio.
Por: Ângelo Cunha Pinto
Publicado em 09/06/2011 | Atualizado em 09/06/2011
Gravura feita por Madame Lavoisier, no século 18, de uma pesquisa sobre respiração conduzida por seu marido. Foi o trabalho cuidadoso de Lavoisier na coleta de gases em líquidos previamente pesados que levou à compreensão do balanço de massas.
Este livro é uma aventura que começa no século 6 a.C. com o filósofo grego Tales de Mileto, para quem a água seria a essência de toda a matéria, e por um de seus sucessores na Escola de Mileto, Empédocles (c. 490 a.C.-430 a.C.).
Empédocles foi o primeiro a propor a teoria dos quatro elementos primordiais – fogo, ar, terra e água – para explicar a composição de toda a matéria, à imagem de um ‘curral quântico’, formado por 48 átomos de ferro dispostos em círculo por um microscópio de força atômica, no interior do qual se veem ondulações produzidas pelos elétrons da superfície dos átomos, “proporcionando uma demonstração da natureza ondulatória-corpuscular do elétron”.
A obra é dividida em nove seções, todas bem ilustradas. A segunda seção aborda a alquimia, tema controverso que alguns historiadores consideram como a pré-história da química. A alquimia, apesar de sua linguagem hermética e repleta de símbolos, muitos dos quais foram apropriados por seitas religiosas e sociedades secretas, é tratada pelo autor de maneira compreensível.
Embora os alquimistas não tenham alcançado a transmutação dos metais comuns em ouro, aprende-se com a leitura que uma mistura de cobre metálico com 6% de antimônio forma uma liga com aparência muito semelhante à do ouro. O ouro era o modelo da incorruptibilidade e, ao torná-lo bebível, por meio de suspensões coloidais, os alquimistas acreditavam alcançar a eternidade.
O antimônio é outro elemento pelo qual os alquimistas tinham fascinação. Um dos nove elementos mais antigos, o antimônio era encontrado na natureza na forma do minério estibina (Sb2S3), que, devido a sua cor negra, foi muito usado pelas mulheres como um cosmético para os olhos nos tempos bíblicos.
Metais branco-prateados, cujas propriedades químicas e toxicidade os aproximam do arsênio, os antimoniais tiveram presença marcante nas farmacopeias dos alquimistas. Mesmo dotados de toxicidade, os antimoniais pentavalentes, como o estibogluconato de sódio (Pentostan) e o antimoniato de N-metil glucamine (Glucantime), introduzidos como quimioterápicos na década de 1940, são, ainda, as principais drogas utilizadas no tratamento das leishmanioses.
De teoria em teoria
O terceiro capítulo discute a figura do médico e místico suíço Paracelso (1493-1541), cujo nome completo é Aureolus Theophrastus Bombastius von Hoehenheim, o primeiro a usar metais para curar doenças e o responsável pela introdução da experimentação e observação nos tratamentos médicos.
Paracelso foi, sem dúvida, um dos personagens mais controvertidos e importantes da alquimia. Ao desenvolver a ideia de que a doença advém simultaneamente do corpo e da alma, ele propõe que, para se tratar o corpo, é preciso começar pelo tratamento do espírito. Ao rejeitar tanto a medicina escolástica quanto a galênica, colocando-se contra a autoridade de Aristóteles e Galeno, Paracelso teve grande influência sobre os alquimistas da Renascença.
O modesto boticário sueco Carl Wilhelm Scheele (1742-1786), o clérigo inglês Joseph Priestley (1733-1804) e o francês Antoine Laurent Lavoisier (1743-1794), membro aos 25 anos da Academia Real de Ciências da França, travaram uma enorme luta pela primazia da descoberta do oxigênio.
A saga pela descoberta desse gás é tratada de maneira brilhante na peça Oxigênio pelos seus autores, dois gigantes da química, Carl Djerassi – responsável pela síntese do primeiro esteroide contraceptivo oral – e Roald Hoffmann – químico teórico, ganhador do prêmio Nobel de Química em 1981.
Foi o trabalho cuidadoso de Lavoisier na coleta de gases em líquidos previamente pesados que levou à compreensão do balanço de massas. Defensores ferrenhos da teoria do flogístico, como o célebre químico francês Claude Berthollet (1748-1822), “depuseram as armas e abandonaram o flogistíco”, porque passou-se a saber que, na natureza, nada se perde, nada se cria, tudo se transforma. Começava aí o que se pode chamar de química moderna.
O grande avanço da química viria a se dar com os trabalhos do advogado e físico italiano Amedeo Avogrado (1776-1856), que, ao combinar a teoria atômica de Dalton e a lei volumétrica de Gay-Lussac, concluiu que volumes iguais de gás, à mesma temperatura e pressão, teriam o mesmo número de partículas.
Por isso, todos nós hoje sabemos que, conhecendo a constante de Avogadro (6,02X1023) e a massa atômica de um elemento, é possível calcular a massa em gramas de um único átomo. Entretanto, a hipótese de Avogadro levou quase 50 anos para ser aceita. Se tivesse sido bem compreendida, certamente a tabela periódica teria sido descoberta antes do trabalho do russo Dmitri Ivanovich Mendeleev (1834-1907).
Com a introdução da eletricidade, o químico inglês Humphrey Davy (1778-1829), ao passar a aplicar sistematicamente esse novo tipo de ferramenta em seus experimentos químicos, descobriu seis novos elementos químicos. Sua outra grande descoberta foi a invenção das lâmpadas de segurança, usadas pelos mineiros na exploração das minas de carvão da Inglaterra.
Ao observar que as chamas não se propagam através de orifícios pequenos, Davy envolveu as lâmpadas com cilindros de tela de arame, que ao dissiparem o calor das chamas impedia a combustão do metano. Com essa invenção elegante e simples, Davy salvou a Revolução Industrial. Graças a esse grande químico, já havia cerca de 4,3 km de canalização de gás, em 1815, sob as ruas de Londres.
Tabela periódica, estrutura química do DNA, paraísos nanoscópicos fazem hoje da química uma ciência que se entrelaça com todas as outras. A movimentação da matéria átomo por átomo abre um novo mundo para os alquimistas modernos. Só o futuro dirá aonde chegaremos.
Arthur Greenberg
São Paulo, 2010, Editora Blucher
400 páginas – R$ 87,35 Tel.: (11) 3078-5366
Ângelo Cunha Pinto
Instituto de Química
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Fonte: Ciência Hoje Online – Clique aqui para conferir esta matéria
"Na Natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma".
ResponderExcluirHá quem contesta e afirma que essa frase teria sido atribuída erroneamente a ele, posto que tal enunciado remonta ao filósofo, físico, matemático e astrônomo grego Anaxágoras de Clazómenas (500 – 428 a.C), muito antes de Lavoisier: "Nada nasce nem se perde mas as coisas existentes se combinam, depois se separam novamente".
Todavia, ainda não encontrei fonte segura sobre esse assunto.