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(Agência Estado)
Ao liberar o uso do chá da ayahuasca para fins religiosos, no começo deste ano, o Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad) também reconheceu, ao menos implicitamente, que o consumo do alucinógeno é arriscado. Daí a existência, na mesma resolução, de regras como a proibição de que pessoas com histórico de transtornos mentais ou sob efeito de bebidas alcoólicas ou outras substâncias psicoativas ingiram a droga, e a obrigatoriedade de que as seitas do Daime "exerçam rigoroso controle sobre o sistema de ingresso de novos adeptos". Faltou, no entanto, o mais importante: prever os mecanismos para que essas regras sejam implementadas com alguma eficácia. Quem fiscaliza as seitas para saber se elas estão controlando o ingresso dos novos adeptos? Quem identifica os portadores de transtornos mentais - os líderes religiosos? Quem será responsabilizado caso a resolução não seja seguida? Fazer essas perguntas às autoridades leva, hoje, a um série de contradições... alucinante.
Segundo Paulo Roberto Yog de Miranda Uchôa, chefe da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad) - que exerce a função executiva do Conad –, a fiscalização acerca do uso do chá cabe tanto "às instâncias que congreguem as entidades usuárias" (ou seja, entidades como Cefluris e a União Vegetal, que têm vários templos espalhados pelo país) como "aos diversos órgãos da administração pública, conforme suas competências específicas". Vladimir de Andrade Stempliuk, coordenador-geral do Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas, subordinado ao Senad, é mais específico: "Compete aos diversos órgãos integrantes do Sistema Nacional de Políticas sobre Drogas a fiscalização e a imposição de medidas legais caso estas sejam pertinentes", explica. Dessa forma, se tornariam responsáveis, por exemplo, o próprio Conad e, indiretamente, entidades como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a Polícia Federal (PF), que compõem o Conselho Nacional.
Mas nem todos entendem assim. Procurada pela reportagem, a Anvisa afirmou que a ayahuasca não faz parte da lista de substâncias que caem sob seu controle. Já o Ministério da Saúde encaminhou a reportagem para o Conad, alegando com razão ter sido esse órgão "quem regulamentou o uso religioso dessa bebida no Brasil". Igualmente, o Ministério Público Federal, apontou para o Conad. Os promotores, contudo, podem agir caso haja descumprimento da fiscalização. Ainda segundo o MPF, "nenhum procedimento nesse sentido" está registrado na base de dados da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC).
A resolução do Conad recomenda ainda que a produção da bebida seja auto-sustentável, veta seu comércio e propaganda do composto e estabelece que o cultivo e o transporte só devem ocorrer para fins religiosos. Mas quem, de fato, fiscaliza a produção e comércio dessas plantas? A Polícia Federal, por exemplo, alega que sua função se restringe ao controle do DMT (n-dimetiltriptamina), a substância alucinógena do chá da ayahuasca. "Se isolado, o DMT passa a ser droga proibida, portanto conduzi-la ou comercializá-la será crime a ser enquadrado na lei contra uso e tráfico de entorpecentes", explica em nota. Fiscalizar o plantio da erva-rainha ou do cipó-jagube, dos quais são extraídos o DMT, portanto, não seria atribuição da PF.
Buracos na lei - Para os juristas, os furos no sistema criado pela resolução do Conad são gritantes. "O poder público pecou em não regulamentar mais clara e objetivamente o uso do chá", diz o advogado criminalista André Alves Wlodarczyk. Ao que o advogado constitucionalista João Wiegerinck acrescenta: "Por eliminação, percebemos que a fiscalização só será feita quando provocada: quando alguém passar mal ou surtar com a bebida. Obviamente, é uma falha." Não há dúvida de que a própria entidade religiosa que faz uso do chá poderá ser responsabilizada em caso de dano a um fiel, se não forem observadas as orientações da resolução do Conad. "A igreja tem o dever de indenizar, se for provado que ministrou sem os cuidados que a resolução determinava", diz Wlodarczyk. Pode, em tese, vir a ser o caso da Céu de Maria, seita fundada pelo cartunista Glauco e onde seu assassino, Carlos Eduardo, bebia o daime. Isso porque, Carlos Grecchi, pai de Carlos Eduardo, afirma ter pedido a Glauco que parasse de dar o daime ao filho em 2007. Não teria sido atendido.
Saúde pública – A resolução também é criticada por profissionais da saúde pública. Ela entrega aos próprios religiosos a responsabilidade de dizer quem está apto a tomar ou não o chá. Mas essa deveria ser uma tarefa de psicológos ou psiquiatras. Segundo Dartiu Xavier da Silveira, psiquiatra da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e presidente do Grupo Multidisciplinar de Trabalho do Conad, "o uso do chá é arriscado para pessoas que tomam antidepressivos e é contra-indicado a pessoas com diagnóstico de psicose, já que aumenta muito a produção de certas substâncias no cérebro". Para ele, o Conad deveria desenvolver algum tipo de instrumento para aferir se as entidades religiosas estão realizando o questionário ou não. "A falta de fiscalização pode levar o aparecimento de vários casos graves”, diz Silveira.
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