Luiz
Carlos Nogueira
Para garantir o fornecimento de
medicamentos a dois cidadãos gaúchos, o presidente do Superior Tribunal de
Justiça (STJ), ministro Ari Pargendler, manteve
a decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4ª) que havia
confirmado as sentenças do Juízo Federal de primeira instância, que bloquou recursos (verbas) no orçamento da Advocacia Geral da
União (AGU), no valores de R$ 41.585,94 e R$ 45.246,00, respectivamente, não
obstante a União haver contestado as decisões, sob o argumento de que o
fornecimento de remédios é de competência do Ministério da Sáude, e que ela, a
AGU apenas exerce a função de representá-la judicialmente.
Toda a controvérsia resultou de
duas ações de obrigação de dar, ajuizadas contra a União Federal, nas quais os
dois autores pleitearam o fornecimento de medicamentos de que necessitam.
Como houve descumprimento das
ordens judiciais, o vice-presidente do TRF4ª determinou que se fizessem juntada
de três orçamentos informativos dos custos dos medicamentos, para que se pudesse determinar o bloqueio das importâncias necessárias para atender o
tratamento dos dois pacientes, já que conforme
disse o magistrado do TRF4: “Em todas
as manifestações acostadas,
a União limita-se
a informar que dará prosseguimento ao procedimento de compra e que está
em vias de fornecer o medicamento, sem dar efetividade à garantia assegurada
judicialmente ao demandante”
É de se ressaltar o que o
ministro Pargendler enfatizou na decisão: “Não
há jurisdição sem
efetividade; em outras
palavras, o Judiciário é
inútil se não
tem força para
fazer cumprir suas decisões.”
Disse ainda, o ministro, que não obstante a AGU tenha
aparente razão, porque se diz apenas responsável pela representação judicial
dos três poderes da república, e que por isso não pode ter suas verbas
sequestradas para atender encargos de outros órgãos que não lhes são afetos,
como no caso — O Ministério da Saúde, ainda assim, a eventual suspensão das
decisões do TRF4 seria reconhecer que o Poder Executivo só cumpre as decisões
do Judiciário — quando quer.
Veja a
seguir, a decisão do presidente do STJ, na íntegra:
Superior
Tribunal de Justiça
SUSPENSÃO DE
LIMINAR E DE
SENTENÇA Nº 1.570
- RS (2012/0090654-0)
REQUERENTE
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: UNIÃO
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REQUERIDO
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: TRIBUNAL REGIONAL
FEDERAL DA 4A
REGIÃO
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INTERES.
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: MUNICÍPIO DE PORTO
ALEGRE
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ADVOGADO
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: CRITIANE
DA COSTA NERY
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INTERES.
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: CARLOS VOLNEI
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JOSENDE
NEMITZ
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ADVOGADO
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: DIANA AMORIM
LORENZATTO E OUTRO(S)
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INTERES.
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: ESTADO
DO RIO
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GRANDE DO SUL
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ADVOGADO
|
: CAROLINE SAID
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DIAS
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INTERES.
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: LUIZ DORNELES
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JACOBOSKI
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ADVOGADO
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: LUIZ CARLOS BUCHAIN
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DECISÃO
|
1. Os autos dão conta de que Carlos Volnei Josende Nemitz
ajuizou ação constitutiva de obrigação de dar contra a União e outros
(fl. 46/68).
O MM. Juiz da 4ª Vara Federal Substituto de Porto Alegre, RS,
Dr. Jurandi Borges Pinheiro julgou o pedido procedente "para determinar
que forneçam tanto a União como o Estado do Rio Grande do Sul e o Município de
Novo Hamburgo, ao autor, o medicamento arrolado sob o item c dos pedidos da
exorial" (fl. 74).
Mantida a sentença pelo Tribunal Regional Federal da 4ª
Região, relator o Juiz Jorge Antônio Maurique (fl. 99/110), a União interpôs
recursos especial (fl. 111/133) e extraordinário (fl. 134/155) - ambos
sobrestados pelo Vice-Presidente daquele tribunal (fl. 159 e 160).
À vista da notícia de descumprimento da ordem judicial (fl.
173/174), o Vice-Presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região proferiu
a seguinte decisão:
"Conforme já abordei em decisão anterior, e tal
situação não foi revertida até o momento, constata-se que o medicamento a que
faz jus a parte autora foi fornecido apenas até o mês de outubro de 2011 (fl.
537). Desde então, o autor busca ver implementada a determinação judicial no que
se refere às próximas doses, porquanto necessita de tratamento contínuo, sem
obter êxito.
A União já foi intimada a restabelecer o fornecimento
da medicação, impondo-se multa diária de R$ 50,00 (cinquenta reais), e, ato
contínuo, a multa restou majorada.
Em todas as
manifestações acostadas, a
União limita-se a informar que dará prosseguimento ao
procedimento de compra e que está em vias de fornecer o medicamento, sem dar
efetividade à garantia assegurada judicialmente ao demandante.
Na decisão da fl. 557 determinei a juntada de três
orçamentos que demonstrassem o custo do medicamente, de forma a permitir o
bloqueio da verba necessária ao tratamento do autor.
A parte autora
acostou os documentos
às fls. 560-563.
Analisando os orçamentos, verifica-se que o tratamento
de menor custo importa em R$ 41.585,94 (quarenta e um mil, quinhentos e oitenta
e cinco reais e noventa e quatro centavos).
Destarte, determino o bloqueio de R$ 41.585,94
(quarenta e um mil, quinhentos e oitenta e cinco reais e noventa e quatro
centavos), diretamente da União (AGU - CNPJ 26994558/0001-23).
Encaminhe-se esta decisão à Vara de origem para
cumprimento, bem como para que, efetuado o bloqueio, sejam os valores
imediatamente liberados à parte autora, que deverá prestar contas da
importância recebida, no prazo de 10 (dez) dias.
Por fim, ressalto que, acaso a União cumpra
espontaneamente a medida antes de ser liberada a importância acima referida,
ficará sem efeito a determinação de bloqueio" (fl. 198/199).
2.
Com
causa de pedir semelhante, Luiz Dorneles Jacoboski ajuizou ação constitutiva
de obrigação de fazer contra a União (fl. 566/578), a qual teve o mesmo
desfecho: julgado procedente o pedido (fl. 614/626) e mantida a sentença,
quanto ao fornecimento da medicação, pelo Tribunal Regional Federal da 4ª
Região (fl. 627/638 e 651/657), os recursos especial e extraordinário estão
sobrestados naquele tribunal. Noticiado o descumprimento da obrigação, o
Vice-Presidente do tribunal a quo determinou o bloqueio de R$ 45.246,00
(quarenta e cinco mil, duzentos e quarenta e seis reais)
-
fl. 792/793
e 807.
3.
Seguiu-se
o presente pedido de suspensão de liminar ajuizado pela União, alegando
grave lesão à ordem pública, bem como flagrante ilegitimidade (fl. 01/09).
A teor da
petição:
"Ao se prever que as verbas do órgão de
representação judicial da União, no âmbito de defesa de seus três poderes,
acabem por estar vinculadas ao cumprimento de decisões judiciais que devem ser
efetivadas por outro órgão, qual seja, o Ministério da Saúde,representa clara
invasão ao processo de elaboração de lei orçamentária, pelo Judiciário.
Isso porque a decisão acaba por determinar que a União
transfira recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão
para outro sem prévia autorização legislativa, o que é vedado pela Constituição
da República (art. 167, inciso VI, da CRFB), e ocasiona um desequilíbrio
fiscal, ofendendo assim a ordem político-administrativa. É ler:
.........................................................
Percebe-se, assim, que a decisão vem afrontar
diametralmente a lei orçamentária anual, Lei nº 12.595, de 19.01.2012, que veio
estimar a receita da União para o exercício financeiro de 2012, distribuindo-a
entre os seus poderes e órgãos, além de representar, por via transversa, uma
velada forma de enfraquecer a defesa da União.
Não se pode perder de vista que a Advocacia-Geral da
União, nos termos do art. 131 da Constituição Federal, vem ser a instituição
que, direta ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e
extrajudicialmente, no âmbito de seus três poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário.
Assim, vincular o orçamento do órgão de representação judicial para cumprimento
das obrigações de seus representados revela procedimento, no mínimo, incorreto
e enfraquecedor da advocacia pública e, por consequência, de um dos pilares do
Estado Democrático de Direito.
.........................................................
Percebe-se que, de forma diferente, mas com finalidade
análoga, a decisão do TRF-4ª Região extrapola os limites da legalidade e
transgride as prerrogativas dos membros da Advocacia-Geral da União. O
desempenho das atividades profissionais sob preceitos éticos pelos integrantes
da Advocacia-Geral da União não pode ser maculado por medidas coercitivas,
indevidamente aplicadas por juízes, o que não implica que a União se esquive de
suas obrigações legais e constitucionais.
Contudo, mesmo que não seja esse o entendimento a ser
adotado, frontal seria a lesão, já mencionada, à norma disciplinada pelo art.
167, inciso VI, da Constituição; isso porque a decisão acaba por determinar que
a União transfira recursos de um órgão para outro sem prévia autorização legislativa,
Advocacia-Geral da União para o Ministério da Saúde. Do contrário, por ser
órgão da União, até mesmo o orçamento do próprio Tribunal poderia ser
bloqueado, o que até se mostraria,
adotando-se um raciocínio pragmático, mas
efetivo, diante da agilidade no cumprimento, do que as verbas
da própria Advocacia-Geral da União" (fl. 04/08).
4. Não
há jurisdição sem
efetividade; em outras
palavras, o Judiciário é
inútil se não
tem força para
fazer cumprir suas
decisões.
A situação sub
judice é emblemática.
Duas sentenças, confirmadas por tribunal regional federal, com
recursos especial e extraordinário sobrestados à espera de pronunciamento do
Supremo Tribunal Federal a respeito do direito à saúde, são objeto de extrema
desconsideração por órgãos da União, com prejuízo aos autores da ação que
necessitam dos medicamentos que lhes são sonegados.
Quid ?
Aparentemente tem razão a Advocacia-Geral da União quando
afirma que é responsável pela representação judicial dos três poderes do
Estado, não podendo suas verbas ser sequestradas para atender necessidades a
cargo de outros órgãos, na espécie o Ministério da Saúde.
Acontece que, nas palavras do Vice-Presidente do Tribunal
Regional Federal da 4ª Região, Juiz Luiz Carlos de Castro Lugon,
"Determinado o bloqueio da importância necessária
à continuidade do tratamento da parte recorrida (fl. 498), a magistrada a quo noticia não ter logrado êxito
na diligência, porquanto ausente qualquer valor nas contas bancárias do
Ministério da Saúde e do Fundo Nacional da Saúde" (fl. 807).
A suspensão dos efeitos de tal decisão que, ante esse fato
surpreendente, procurou executar o acórdão de um modo possível implicaria o
reconhecimento de que o Poder Executivo só cumpre os ditames do Judiciário
quando quer, e - mais do que isso - que o Judiciário, na pessoa do Presidente
do Superior Tribunal de Justiça, está de acordo com isso.
O apelo ao Poder Judiciário para reparar lesão a direito
individual é ineliminável nos termos da Constituição, e o juiz fraudará sua
missão se não ouvi-lo; a tanto se assimila o procedimento de quem reconhece o
direito individual, mas se omite de dar-lhe efetividade.
Outra seria a solução, se a Advocacia-Geral da União induzisse
o Ministério da Saúde a cumprir o julgado ou - quando menos – se indicasse
outro meio de alcançar esse resultado. Indefiro, por isso, o pedido.
Intimem-se.
Brasília, 09 de
maio de 2012.
MINISTRO ARI PARGENDLER
Presidente