Prof.
Dr. Osvaldo Vargas Jaques(*)
ojacques@comp.uems.br
A Revista
Cálculo: Matemática Para Todos, n. 27, ano III, publicou um artigo com o título
Premonição de Morte. Não quero destronar os verdadeiros profetas, mas
colocar a plebe ignara (nós) para pensar antes de buscar efeitos especiais do
Grande e Supremo Arquiteto do Universo (DEUS, BRAHMA, TUPÃ, JEOVÁ, ALÁ,
MANITU...).
Vamos aos fatos
resumidos desse artigo, atualizando para as informações mais atuais. O artigo
cita que segundo o doutor em psicanálise Luiz Carlos Tarelho, "todo mês,
dois entre dez pacientes conversam sobre sonhos em que algum conhecido
morreu". Ou seja, 20% dos brasileiros tem um sonho em que alguém
conhecido morre (parente, amigo, celebridade). Existem aproximadamente 208,5
milhões de pessoas no Brasil (IBGE 2018). Então 208.500.000 x 20% = 41.700.000
pessoas sonham pelo menos uma vez ao mês, que alguém conhecido morre. Dividindo
por 30 dias temos um total de 41.700.000/30=1.390.000
brasileiros sonhando por dia que algum conhecido morreu.
Segundo o IBGE,
em 2018, morreram 1.283.496 brasileiros. Aproximadamente
1.283.486/208.500.000 ≃ 0,6% da população. Uma média
aproximada de 3.500 pessoas morrem por dia (1.283.496/365 ≃ 3.516).
Qual a
probabilidade de óbito por dia, para um população de 208,5 milhões?
O quociente do número de eventos favoráveis dividido pelo número de eventos
total.
Então a Pr(O),
probabilidade de óbito por dia é Pr(O)=3.500/208.500.000 ≃ 0,0016%.
Com 1.390.000
brasileiros sonhando com morte todo dia, o número esperado de sonhos "cuja
profecia se realiza" é 1.390.000 x 0,0016% ≃ 23.
Então todo dia, no Brasil, 23 pessoas sonham que alguém
conhecido morre e no outro dia esse alguém morre. Em um ano,
23x365=8395 "profetas", em 5 anos, quase 42.000
"profetas", juram de pé junto (opa!), que foram agraciados por um ser
divino ou espiritual com essa revelação.
Sem política
nenhuma, esta análise pode ser estendida para o problema da pandemia do
covid-19.
Hoje, segundo
informes, temos um total de 5 milhões de infectados, o que dá menos de 2,5 % de
infecções no Brasil. Isto significa que tomando água, cachaça, ou fazendo a
oração dos três pulinhos, a probabilidade de não pegar a doença e 97,5%. Os
métodos de evitar aglomerações, abraços e uso de máscaras são apontados pelas
pesquisas como um dos fatores que também ajudaram a diminuir a probabilidade de
infecção. Essas informações podem ser vistas nas reportagens sobre a pandemia no
dia a dia das reportagens ou no site
https://susanalitico.saude.gov.br/extensions/covid-19_html/covid-19_html.html.
Ocorreram 150
mil óbitos, ou seja 150.000/5.000.000 = 3%. Se existirem 400 mil médicos no
país tratando das infecções de covid-19, a estimativa é que 400.000 x 3% = 12.000
médicos percam pacientes e que 388 mil médicos não percam
pacientes com covid, não importando o medicamento, desde que não seja
veneno. Ou seja, encontraremos muitos, mas muitos médicos que não perderam
pacientes.
Vemos que até
aqui analisamos probabilidades médias, que podem variar. Antes de fechar este
ensaio, um amigo lembrou que se apostarmos no jogo das seis dezenas, a
probabilidade de ganharmos é 1 em 50.063.860, o que corresponde a 0,000002% de
chance de ganhar. Isso significa que a cada jogo, 208.500.000 x 0,000002% ≃ 0,4 brasileiros ganham. Contudo, volta e meia, mais de um
brasileiro acerta. Volta e meia, alguém fica rico em Las Vegas. A Lei das
Médias no mundo dos jogos estilo roleta nos diz que enquanto você tiver
ganhando, jogue, mas quando começar a perder, caia fora, pois após uma certa
quantidade de repetições nos aproximamos da média, onde você perde e a banca
ganha. É o mundo da convivência com probabilidades que nos faz olhar para os
lados da rua antes de atravessar. Contudo, ninguém olha para cima, para
verificar se um meteorito, um cofre ou piano está caindo. Isso porque na média,
a probabilidade disso acontecer é muito pequena e portanto, desprezamos.
Embora não tenha
analisado nenhuma estatística, provavelmente todos os dias alguém sonha que
algum avião cai e uma represa se rompe e nada acontece. Novamente, porque na
média a probabilidade disso acontecer é irrisório. É improvável, não é
impossível.
A idéia aqui é
apenas uma reflexão sobre como podemos ser induzidos a erros. Como disse Teilhard
de Chardin, "quanto mais espiritualizo a matéria,
mais materializo minha convicção em Deus”. Ter convicção não
implica em crença sem uso da razão. Será que para Deus nada é impossível ou
nada é improvável? Improvável é a probabilidade muito próxima de zero, mas não
é zero. Se o Grande Arquiteto criou leis não creio que o mesmo violaria suas
próprias leis. Penso que desconhecemos muitas variáveis. Pela falta de
conhecimento, consideramos algumas coisas impossíveis, quando na verdade são
improváveis. Assim, para Deus nada é improvável, sempre existem variáveis que
nós, míseros humanos desconhecemos.
Análise
aguçada não significa não acreditar, mas é um modo de evitar ilusões e
mistificações.
(*) O Autor
é:
Bel. em Ciência
da Computação – UFMS
Com Especialização
em Gestão Empresarial - UNIDERP/UFRGS
Mestre em
Informática – UFPR
Doutor em
Física Aplicada: Computação – Instituto de Física de São Carlos - IFSC - USP
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